sábado, 5 de julho de 2014

Como tudo começou...

agosto de 2013

Eis-me em Portugal, nos inícios de agosto, alguns anos depois de ter passado pela minha primeira experiência de voluntariado na paragem letiva de verão, um pouco mais do que as minhas férias, a pedido da instituição e com a autorização da minha escola.
Este ano, o trabalho na escola foi prolongado com estágios, a segunda fase de exames e a ausência do subsídio que ia todo para pagar a viagem! É um lamento? Sim, e um desabafo, porque me sinto prisioneira sem prisão. Estaria melhor no meio daquela gente alegre, que me dá tanto e a quem vou dando o meu melhor, desligada das notícias cada vez mais caóticas que passam diante dos nossos olhos, das crises, das complicações. Nem que não queira, quando ligo o computador, lá aparecem os destaques e é sempre a mesma coisa: crise, crise e crise…
Também me foi dito que necessitava de repousar um pouco pois, apesar de em Moçambique as coisas andarem a um ritmo mais lento, não consigo abrandar o meu. Há tanto para fazer!
Como tive que ficar, aproveito para tentar terminar aquilo que comecei em 2006 e que é fruto de retalhos soltos, espalhados por ficheiros no computador. Ao menos enquanto revejo e escrevo, relembro as histórias que ouvi, as experiências que vivi. É uma forma de estar mais perto de quem está muito longe!
E tudo começou assim…

dezembro de 1989

Alguém me ofereceu, nesse Natal, o livro África Minha de Karen Blixen. Li-o durante as férias a uma velocidade estonteante. A magia das palavras que bailavam perante os meus olhos impedia-me de o fechar. As descrições eram extraordinárias e a história fascinou-me desde as primeiras linhas, nomeadamente o relacionamento da personagem principal, e narradora, com os nativos, com a natureza no seu estado ainda puro, com o local onde se encontrava, a forma como relata os factos e a sua passagem por África, uma terra que também passa a ser sua e que levará para sempre no coração.
As paisagens descritas faziam-me viajar para um continente que apenas conhecia dos programas da BBC, que via sempre na companhia de meu pai, comentando a vida por aquelas paragens, tanto a animal como a humana, nomeadamente a tribal.
Não sei ao certo quando vi pela primeira vez o filme na televisão mas ainda hoje considero África Minha um dos filmes da minha vida. Se ler o livro fora estonteante, ver o filme despertou em mim ainda maior curiosidade. Se bem que o livro me permitira “viajar por África” de forma diferente, por um Quénia distante, o país dos safaris, perigoso mas arrebatador. Uma vez mais, o espírito de África parecia querer invadir o meu espírito e atormentar-me para sempre. A inquietude abalroava-me cada vez que revia, mentalmente, determinadas cenas e comecei a alimentar a ideia de um dia poder visitar um daqueles lugares e, quem sabe até, poder fazer lá a minha vida, como a autora do livro.
Várias vezes referi que, se tivesse oportunidade de viajar, começaria por visitar países como o Quénia, a Zâmbia, a Tanzânia, a África do Sul, mas também as antigas colónias portuguesas de África. Os meus amigos e até familiares diziam-me que sonhava muito alto pois viajar para esses países era muito caro, ou então que não tinha noção do perigo, uma vez que chegar a alguns deles seria muito arriscado, por causa das guerras e das constantes inconstâncias políticas e sociais.
Nessa altura, frequentava, na universidade, uma Licenciatura em Ensino de Português e Francês. Ironia do destino! Estudava Português, uma disciplina em que sempre fora uma aluna mediana. Mas, ser professora era um sonho. Tinha como colegas alguns alunos vindos das ex-colónias a quem, de vez em quando, colocava questões sobre o seu país, a sua cultura, os seus costumes. Alguns pareciam ter receio em falar, nomeadamente os angolanos, onde a guerra ainda estava longe do seu fim. Aqui sentiam-se mais seguros e diziam ter um futuro mais risonho, embora tivessem consciência das riquezas do seu país e do facto de lá serem necessárias pessoas formadas. Ainda que demonstrassem o desejo de ficar, cultivavam as suas raízes e era lá que queriam regressar.
  Depois, ouvia a muitos conterrâneos meus, “retornados” em 1974, frases contraditórias sobre os países que durante anos foram a sua terra, a sua casa, o seu sustento. Se, por um lado, o saudosismo das paisagens belíssimas, dos diferentes cheiros emanados daquelas terras, dos pores-do-sol ímpares que tantas vezes observavam, do calor, da vida desafogada, de vivências que aqui nunca poderiam ter os dominava, por outro, notava-se a amargura de deixarem tudo isso para trás da forma, por vezes violenta, como tudo ocorrera.
Por isso, em vez de exteriorizar a minha vontade de conhecer África, acabei por manter no secretismo do meu subconsciente a vontade de lá ir um dia, ainda que esse dia pudesse estar muito distante. Primeiro, porque era ainda estudante, depois porque era muito nova e achava que não tinha maturidade para enfrentar determinadas realidades de que tinha a consciência serem muito duras.

Entretanto, terminado o curso, comecei a trabalhar e a cumprir parte do meu sonho – ser professora. Durante algum tempo, absorvida pela actividade docente, a ideia de partir para África andou diluída com as minhas idas e vindas constantes para os locais onde era colocada. Depois, bem depois surgiu a hipótese de visitar países bem mais próximos, com a sua cultura igualmente rica, e também a vontade de alargar os meus horizontes na área de ensino por que optara e retomei os estudos. Então, o sonho de partir para África foi ficando adiado.

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